domingo, 28 de fevereiro de 2010

Festim diabólico (Rope)

Festim diabólico (Rope) – EUA – 1948 *****

Direção: Alfred Hitchcock

Roteiro: Hume Cronyn e Arthur Laurents, baseado na peça de Patrick Hamilton

Só mesmo Alfred Hitchcock para ter a idéia de gravar um filme inteiro de uma hora e vinte minutos em plano-seqüência (vindo de quem adora ver planos-seqüência em filmes), sem nenhum corte, somente quando era necessário para fazer a troca dos rolos de filme das câmeras. Mas isso não é apenas um devaneio de um diretor egocêntrico. Isso de fato exerce uma função na narrativa, que se desenrola em tempo real dentro de um apartamento numa festa entre amigos. O filme é baseado em uma peça teatral que conta a história de Brandon (John Dall) e Philip (Farley Granger) que decidem matar David (Dick Hogan), um colega da escola, apenas para terem a sensação de praticar um assassinato e provar para si mesmos que conseguem realizar o crime perfeito. Para desafiar os amigos e a família, resolvem convidá-los para uma reunião em seu apartamento, onde servem a comida em cima de um baú onde se encontra o corpo da vítima. Devido ao filme ser em plano-seqüência, o expectador tem a sensação de ser um observador que se encontra no apartamento dos rapazes e assiste a toda a ação como se fosse invisível. Isso faz com que a lógica da história seja mais interessante e os momentos de suspense ainda mais tensos. As atuações são bastante teatrais, devido à época em que o filme foi feito e também à origem teatral do roteiro, mas sem desmerecer o filme ou fazer com que ele perca sua força e seu suspense. Aliás, o suspense criado por Hitchcock é quase que palpável ao longo do filme. A história segue em um crescendo constante até criar uma tensão quase que insuportável no final, quando Brandon e Philip começam a se desentender e o seu plano está prestes a ser desvendado. Os diálogos são afiados, principalmente aquele em que Brandon apresenta para seus convidados a sua idéia de assassinato sem culpa moral. Recheado de personagens interessantes e pitorescos, este é mais um ótimo suspense do imortal Hitchcock.

Mary & Max (Idem)

Mary & Max (Idem) – Austrália – 2009 *****

Direção: Adam Eliot

Roteiro: Adam Eliot

Uma história de amizade improvável, porém tocante. É assim que eu defino esse excepcional Mary & Max, filme de animação em stop motion dirigido pelo competente Adam Eliot. O filme conta a história de Mary, garota de oito anos, gordinha, solitária, vivendo na Austrália com pais que não lhe dão atenção. É quando decide se corresponder com um estranho da América que achou na lista telefônica chamado Max. Ela descobre que ele é bem parecido com ela, solitário, no meio do caos da cidade de Nova York, judeu, porém ateu, comedor de chocolate compulsivo e sofre da Síndrome de Asperger, que faz com que ele não tenha o menor tato social e sofra de crises de ansiedade toda vez que se emociona demais (leia-se sempre). O porém (além dos anteriores) é que ele tem 44 anos e nunca teve sequer uma amigo na vida, além de um imaginário, que vive no canto de sua sala. Mantendo uma amizade através de cartas que vão gradativamente fazendo com que se conheçam, eles vão mudando a vida um do outro e preenchendo o vazio de amizades que cada um possuía. A direção de Eliot é sensível e delicada, sendo engraçada nos momentos certos e melancólica e pessimista em outros. É impressionante o nível de expressão que ele consegue extrair dos bonecos de stop motion. Aliás, a direção de arte do projeto e a fotografia dão um show à parte. Elas são usadas como instrumento de narrativa, seja com a aparência de cada personagem que diz algo sobre sua personalidade, ou a fotografia claramente distinta entre o mundo de Mary, predominando as cores marrons e mais quentes, e o mundo de Max, beirando o preto e branco. E é muito emocionante quando os dois mundos se encontram, mesmo que na imaginação de um deles. Outro ponto alto do filme são os pouquíssimos diálogos, mas que dizem muito em poucas palavras e graças também às dublagens geniais do sempre talentoso Philip Seymour Hoffman, Toni Collette e Eric Bana e todo o elenco. Destaque também para a narração em off, presente quase que todo o filme, que conta grande parte da história com muita sensibilidade, humor e ironia. Não há como não se emocionar ao ouvir algo como “é preciso aprender a aceitar seus defeitos e conviver consigo mesmo”. Não é uma lição de moral barata. É profundo por sua simplicidade e veracidade. Outro show à parte é a trilha sonora no piando e orquestra de cordas, simplesmente inesquecível. Sendo uma animação para adultos com densidade maior do que muitos filmes em live action que querem ser levados a sério, não tem como entender como foi deixado de lado no Oscar desse ano, sendo tão bom ou mais do que títulos como Up – altas aventuras ou Coroline e o mundo secreto. Uma das melhores animações do ano de 2009.

Desejo e perigo (Se, Jie)

Desejo e perigo (Se, Jie) – China/EUA/Taiwan – 2007 *****

Direção: Ang Lee

Roteiro: James Schamus e Wang Hui-Ling, baseado no romance de Eileen Chang

Depois do ótimo O Segredo de Brokeback Mountain, Ang Lee resolve retratar mais uma história de amor impossível e com a mesma qualidade daquele, neste Desejo e Perigo. Wang (Wei Tang) é uma jovem e bela chinesa que entra na faculdade durante o período de ocupação japonesa na 2ª Guerra Mundial. Entrando em um grupo de teatro patriótico ela acaba se vendo envolvida no meio de revolucionários que têm o plano de assassinar o Sr. Yee (Tony Leung Chiu Wai), um colaborador do lado japonês. É então quando Wang assume uma identidade falsa com o nome de Mak de uma esposa de mercador com o objetivo de se tornar amante de Yee para facilitar a ação do grupo. Envolvida em uma teia de paixão, violência e sentimentos confusos, Wang não sabe mais distinguir o que é realidade daquela relação e os seus objetivos políticos e patrióticos. Lee conduz a história com o habitual talento de intensidade, como mostrado antes em Brokeback Mountain e também no maravilhoso O tigre e o dragão. É realmente surpreendente o que ele faz com as cenas de sexo, que são muito mais do que simplesmente podem aparentar. Cada uma delas vai revelando os tipos de laços e a profundidade da relação que o casal vai estabelecendo ao longo da história, servindo para desenvolver o enredo como qualquer diálogo mais profundo. Coisa difícil de ver no cinema. Lee também retrata com pessimismo os ideais políticos defendidos pelas pessoas que permeiam o filme, mostrando a degradação dos mesmos devido a interesses pessoais. E demonstra mais pessimismo ainda em relação às relações humanas, como a amizade falsa entre as mulheres fúteis e sem engajamento político daquela sociedade, a falta de profundidade da monotonia que o casamento traz e até mesmo a melancolia de uma relação baseada em sexo. E tudo isso demonstrado com muita sutileza e talento pelo excelente roteiro baseado no livro supostamente autobiográfico de Eileen Chang e na direção firme e sensível de Lee. Outro destaque fica por conta da atuação do casal principal, que demonstram completa entrega aos personagens e à história, sem medo de se mostrarem vulneráveis, com uma intensidade enorme nas performances, mesmo que baseadas em sutilezas de interpretação. A direção de arte e os figurinos não são nada menos do que perfeitos. A trilha sonora, apesar de econômica na maior parte do tempo, é grandiosa quando deve ser e emociona. Por fim, é só correr para a locadora mais próxima e assistir a esse maravilhoso drama do mestre Ang Lee.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Amor sem escalas (Up in the air)

Amor sem escalas (Up in the air) - EUA – 2009 *****

Direção: Jason Reitman

Roteiro: Sheldon Turner e Jason Reitman baseado no livro de Walter Kirn

Ryan (George Clooney) ganha a vida trabalhando em uma empresa que presta serviços demitindo funcionários de empresas em crise. Devido à natureza de sua profissão, Ryan passa a vida viajando de cidade para cidade, o que faz com que não tenha residência fixa e nenhum laço afetivo que o prenda em algum lugar. Fazendo disso seu estilo de vida, ele passa a maior parte de seu tempo em vôos, aeroportos e quartos de hotéis. Neste aspecto, a direção de Reitman é ótima, mostrando a habilidade de Ryan em tudo que diz respeito isso. Seja a velocidade com que faz o check-in no aeroporto ou no ato de fazer e desfazer as malas. Junto com seu estilo de vida nômade, seus relacionamentos também não têm nada de duradouro ou profundo. Assim, conhece Alex (Vera Farmiga), mulher interessante e sedutora que leva uma vida como a dele e começam a ter um relacionamento casual, sempre se encontrando quando possível, mas sem qualquer tipo aparente de envolvimento emocional. Ao mesmo tempo, Ryan enfrenta uma crise em sua vida profissional devido à nova funcionária Natalie interpretada pela adorável Anna Kendrick, que apresenta uma proposta de realizar o trabalho de demitir pessoas, antes feito pessoalmente, por vídeo-conferência. Vendo todo o seu mundo desmoronar, Ryan começa a experimentar um pouco o que é ter um lar e uma vida perto das pessoas que supostamente deveria amar. O sucesso do filme se deve ao seu roteiro, fugindo completamente dos clichês que uma história com esse apelo poderia permitir, à direção do talentoso Reitman e às interpretações magníficas de todo o elenco. A começar por Clooney, muito seguro de seu talento e carisma, o personagem parece pra ele nada mais do que uma versão um pouco mudada de si mesmo. Com os trejeitos de sempre, Clooney não faz com que Ryan seja um sujeito desprezível devido ao seu estilo de vida um tanto vazio, mas sim apenas alguém com conceitos diferentes do convencional. Vera Farmiga mostra o talento habitual e o destaque fica para Anna Kendrick, que conquista com a sua adorável e inconstante Natalie, demonstrando muito bem o amadurecimento da moça ao longo da história. Reitman faz na direção aquilo que já havia feito com o ótimo Juno, criando situações com peso dramático e ainda outras com apelo cômico. Mas um ponto baixo do filme foi uma cena em que Ryan se faz de atrapalhado e cai na água ao lado de um porto. Destoa completamente do tom do filme. Incomoda, mas não diminui a qualidade do produto final. A trilha sonora é um ponto que se destaca. Foge dos clichês e ajuda o processo de contar uma história com as letras das músicas tocantes e não convencionais. Por fim, Amor sem escalas (péssimo título em Português) é uma ótima história que surpreende por ser diferente do que estamos acostumados, tocante e divertida.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

O Lobisomem (The Wolf Man)

O Lobisomem (The Wolf man) – EUA/Reino Unido – 2010 ***

Direção: Joe Johnston

Roteiro: Andrew Kevin Walker e David Self, baseado no roteiro de Curt Siodmak

Refilmagem do clássico de 1941, esse novo O Lobisomem conta a história de Lawrence Talbot (Benicio Del Toro), ator que retorna da América para a Inglaterra Vitoriana para tentar descobrir o motivo da morte misteriosa de seu irmão e se reconciliar com seu pai (Anthony Hopkins). Marcado com um trauma de infância por ter assistido a sua mãe cometer suicídio, Lawrence que encara o fato de estar em casa como uma oportunidade de enfrentar os fantasmas do passado e desvendar o mistério da morte de seu irmão acaba se envolvendo com sua cunhada e descobrindo informações relevantes sobre seu pai e até sobre o seu próprio passado. No meio de tudo isso, enquanto investiga as mortes misteriosas na cidade é mordido por uma fera violenta e acaba virando alvo de investigações da polícia. O roteiro até que tenta dar alguma profundidade ao personagem de Lawrence com seu pai, mãe e cunhada, e até certo ponto consegue, mas quando se trata da besta em si, é um desastre. O lobisomem não é nada mais nem menos do que é de fato: um animal irracional que mata por matar. Quando escutamos certo personagem dizer que somente o amor poderia livrar alguém de uma maldição como aquelas, achamos que o longa terá alguma profundidade no que diz respeito à besta, como no ótimo King Kong de Peter Jackson, mas isso não passa de uma promessa. O romance entre Lawrence e sua cunhada, que deveria ser o fio condutor do filme, é muito mal desenvolvido. As partes mais interessantes ficam por conta do sempre talentoso e divertido Anthony Hopkins, mostrando todo o mistério da personalidade enigmática do pai de Lawrence. No que diz respeito à parte técnica, o longa é ótimo. Utiliza efeitos visuais de forma comedida e só nos momentos necessários, sem cometer exageros, sendo sempre muito convincente. A direção de arte é precisa na recriação da Inglaterra Vitoriana, assim como os figurinos e trilha sonora não convencional para um filme de terror. O ponto fraco ficou com a fotografia, bela, mas muito escura, o que atrapalha o acompanhamento da ação em certos momentos quando não conseguimos enxergar tudo o que está em cena. Benicio Del toro sempre expressivo, não consegue fazer muito com o personagem superficial de Lawrence. O filme não é digno de muitos elogios, mas serve como uma homenagem à sua inspiração, o longa de 1941.

Preciosa (Precious)

Preciosa (Precious) - EUA - 2009 *****

Direção: Lee Daniels

Roteiro: Geoffrey Fletcher, baseado no livro “Push” de Sapphire

Claireece Precious Jones (Gabourey Sidibe) é uma adolescente pobre do bairro Harlem na década de oitenta. Com um histórico de sofrimento, Precious se vê grávida pela segunda vez de seu próprio pai biológico que comete abusos desde sua infância, é semi-analfabeta, negra, obesa e é tratada como um lixo pela sua terrível mãe, vivida brilhantemente por (Mo’Nique). Seu nome Precious não é nada mais do que uma ironia, a julgar pelo tratamento que a moça recebe de todos a sua volta, de preciosa ela não tem simplesmente nada para aquelas pessoas. O filme teria tudo para ser um melodrama digno de uma novela mexicana, mas Lee Daniels constrói uma história muito realista e tocante. Sentimos pena de Precious, é claro, mas isso só colabora para torcermos pelo seu futuro e sua superação. O filme é como diz o desnecessário subtítulo brasileiro, “uma história de esperança”. Daniels usa muito bem a linguagem cinematográfica, como nos momentos em que a protagonista é maltratada pela mãe, ela se olha no espelho e enxerga uma moça loira e magra, porém no fim, quando passa a se encontrar como pessoa e amadurece, vê a si mesma. Outro momento muito emocionante é quando vemos Precious ler as suas primeiras palavras. Emocionamo-nos junto com sua professora. Um ponto que me incomodou foi o momento em que Precious entra pela primeira vez na sala de aula de sua nova escola e vemos algo como que um raio de luz saindo de lá. Destoa um pouco do tom realista do filme, mas não é nada que comprometa o resultado final. Todo o elenco se sai muito bem, começando por Gabourey Sidibe com uma performance contida, mas muito expressiva, Mo’Nique (minha aposta ao Oscar) que mostra uma entrega total à personagem e até mesmo Mariah Carey e Lenny Kravitz, que não lembram nem um pouco os pop stars a que estamos acostumados. A trilha sonora é muito contida também e quase inexistente, mas acerta nos poucos momentos em que aparece. A direção de arte recria sutilmente os anos oitenta e a fotografia sem muitas cores ressalta a falta de felicidade daquelas vidas. Precious é um drama de qualidade muito tocante e profundo.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Nine (Idem)

Nine (Idem) – EUA/Itália – 2009 ****

Direção: Rob Marshall

Roteiro: Michael Tolkin e Anthony Minghella, baseado no musical da Broadway

Depois do maravilhoso Chicago e do regular Memórias de uma Gueixa, Rob Marshall se arrisca mais uma vez no mundo dos musicais da Broadway com esse Nine. Baseado num musical de sucesso que por sua vez é baseado no filme 8 e ½ de Frederico Fellini. Nine conta e história de Guido Contini, diretor de cinema italiano da década de sessenta que enfrenta uma crise criativa e pessoal, que diante disso, procura as mulheres de sua vida em busca de inspiração. Com uma produção ainda mais glamorosa e extravagante que Chicago, Marshall cria um musical conceitual, no qual os números se passam na mente do protagonista. Isso funciona melhor em Chicago, já que lá a protagonista era Roxie, que sonhava em ser vedete, o que fazia os números mais plausíveis. Mas ainda sim, em se tratando de um musical, tudo é possível, até mesmo aceitar que um diretor de cinema tenha devaneios musicais no meio de seu dia. Se esse fosse o principal pequeno defeito de Nine seria bom, mas o maior deles reside na natureza do próprio Guido (Daniel Day-Lewis), homem “atormentado” pelo fato de ter que dirigir um filme que não tem nem um roteiro ainda e em crise no seu casamento devido às suas inúmeras puladas de cerca, Guido é um personagem com o qual é quase impossível de se identificar. A sua crise criativa até é plausível, já que enfrenta problemas na vida pessoal, mas a sua vida particular é impossível de entender. Ao mesmo tempo em que demonstra um amor enorme pela sua esposa (a sempre maravilhosa Marion Cotillard) não pensa duas vezes em dormir com a primeira repórter de revista/fã que cruza seu caminho (Kate Hudson) ou de ir correndo para encontrar sua amante, interpretada pela talentosa e sensual Penélope Cruz. É aí que reside a confusão do filme. É difícil entender a natureza de Guido e o que se passa em sua mente. Ele poderia ser um personagem tridimensional, mas acaba por fim se revelando apenas um cafajeste sem caráter que não pensa antes de magoar as mulheres que supostamente ama. Mesmo com esses defeitos, Nine ainda é um excelente musical, afinal de contas, é isso que Rob Marshall sabe fazer de melhor. Com números perfeitamente coreografados, cenários deslumbrantes e figurinos luxuosos, o filme nesse aspecto é excepcional. As canções deixam um pouco a desejar, sendo poucas as que nos façam lembrar depois de sair da sessão. Destaque para as canções Take it all, interpretada por Marion Cotillard no que eu considero o melhor número musical do filme e Cinema Italiano, interpretada pela sempre carismática e enérgica Kate Hudson. O filme ainda conta com a presença de estrelas como Sophia Loren, Nicole Kidman, Judi Dench e a rockstar Fergie que pouco podem fazer com seus papéis pequenos e sem muito desenvolvimento, com exceção de Dench, sempre intensa, cria uma ótima confidente e amiga de Guido. Uma das melhores personagens do filme. Por fim, Nine é uma experiência agradável, não um musical arrebatador como Chicago, mas com certeza digno de ser visto.

Educação (An Education)

Educação (An Education) - Reino Unido - 2009 *****

Direção: Lone Scherfig

Roteiro: Nick Hornby, baseado nas memórias de Lynn Barber

Jenny (Carey Muligan), moça suburbana de uma charmosa Londres da década de sessenta alimenta o sonho, juntamente com seus pais, de entrar para a universidade de Oxford e empenha todos os seus esforços e o seu tempo nessa empreitada. Vivendo uma rotina apertada de estudos sem muita diversão, Jenny conhece Danny (Dominic Cooper), rapaz com o dobro de sua idade e experiência de vida que lhe mostra um mundo completamente novo e atraente, repleto de festas badaladas, peças de teatro caras, bebidas e comidas sofisticadas e diversão sem limites. Encantada por esse mundo, Jenny mergulha de cabeça nele e em seu relacionamento com Danny, mesmo depois de tomar conhecimento de uma fraqueza (ou defeito moral) na forma como ele ganha a vida junto com seu amigo. Esse foi o seu maior erro. Mas a princípio, aquele mundo para Jenny representava um escape de seus pais, sua escola e seu estilo de vida aparentemente monótono. Isso pode ser notado pela sua opinião em relação a seus pais e seus professores, que considera que não conhecem nada a respeito da vida real, apenas livros e educação. A divisão e confusão que Jenny enfrenta é perfeitamente retratada pelo maravilhoso roteiro de Hornby responsável pelos ótimos Um grande garoto e Alta fidelidade e também pela performance memorável de Muligan, surpreendente para um atriz tão jovem e inexperiente. A Jenny de Muligan é inteligente, bem humorada, perspicaz e bela, mas de uma beleza ao mesmo tempo comum e encantadora. E, mesmo com o fato de ser inteligente e esperta ela se vê em uma situação que a sua inteligência não a pode livrar de sua falta de experiência, mas não existe nada mais normal nos jovens do que isso: cometer erros por falta de experiência e aprender com eles. A direção da dinamarquesa Scherfig é muito talentosa, que faz com que o expectador simpatize com Jenny desde o início, tornando a personagem muito humana e normal, passível de cometer erros como qualquer um de nós. Principalmente diante das situações que lhe foram apresentadas. Com um elenco de apoio memorável, com Alfred Molina como o severo, porém amável pai de Jenny, Emma Thompson como a diretora do colégio, o filme é uma experiência muito agradável e principalmente emocionante. A produção salta aos olhos, com a recriação de época de Londres excepcional e figurinos elegantes. Educação é um filme emocionante e também, porque não, educativo.


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Kill Bill (Idem)

Kill Bill (Idem) – EUA – 2003 *****

Direção: Quentin Tarantino

Roteiro: Quentin Tarantino, baseado em personagem criada por Quentin Tarantino e Uma Thurman

A Noiva (Uma Thurman), que nunca tem seu nome revelado, é uma assassina talentosa que trabalha para Bill, uma espécie de Charles das Charles’ Angels que possui um grupo de assassinas treinadas. No dia de seu casamento, seu chefe e suas colegas armam uma cilada e assassinam a todos na cerimônia, menos a Noiva, que se enganaram achando que estava morta. Ela acorda de um coma cinco anos depois com um único desejo: vingança. Matar a todos que destruíram sua vida assassinando seu noivo e seu bebê. Com a narrativa fora de ordem cronológica como já visto em seus outros filmes como Pulp Fiction e Cães de aluguel, Tarantino aqui conta a história através de episódios com legendas (muitas vezes irônicas), mas sem que a cronologia ajude ou atrapalhe a contar a história. E só mais um recurso para tornar seus filmes mais reconhecíveis e marcantes. Aliás, o ego de Tarantino parece ter tomado proporções gigantescas. Porque, afinal de contas, qual diretor coloca nos créditos inicias de seu filme “O decimo filme de ...” ou “vigésimo sexto filme de ...”? Acho que eles está se dando muita importância cedo demais, afinal, ele tem uma carreira com filmes relevantes, como os citados acima, mas nada que justifique esse auto-elogio. Mas voltando a Kill Bill, o filme conta com as características de um filme de Tarantino, como momentos com a tela dividida ao meio e trilha sonora com músicas dos anos setenta. Destaque para a seqüência que mostra a infânica de O-Ren Ishii feita com animação em estilo "história em quadrinhos" extremamente espressiva e forte. Mas um aspecto que eu senti falta foram os diálogos afiados que caracterizam tanto seus filmes, mas ainda podemos encontrar uns momentos memoráveis, como a conversa com Hattori Hanzo e a resposta que a Noiva dá a uma garotinha que acaba de ver sua mãe sendo assassinada. Outro aspecto característico de Tarantino é o longo plano-seqüência que acontece no restaurante antes da batalha com os oitenta e oito guardas de O-Ren Ishii (Lucy Liu). A câmera passa por baixo da escada, acompanha a Noiva até o banheiro, sai do banheiro e acompanha a ação de vários figurantes, como a banda, os funcionários, até que enfim alcança a Noiva novamente no banheiro. No total devem ser uns três minutos sem qualquer corte. Somente esta seqüência já demonstra o talento de Tarantino para a direção. As cenas de ação e artes marciais são perfeitamente coreografadas, filmadas e editadas. Conseguimos acompanhar perfeitamente cada movimento e ao mesmo tempo Tarantino manipula as emoções que quer causar em cada uma delas, seja ação, comédia ou drama. Resumindo, Kill Bill e um ótimo exemplar de Tarantino, mas este deveria tomar pra sim um pouco de humildade e respeito para com seus colegas de profissão.

Terra fria (North country)

Terra fria (North country) – EUA – 2005 ****

Direção: Niki Caro

Roteiro: Michael Seitzman, baseado no livro de Clara Bingham e Laura Leedy.

Depois de um divórcio e com dois filhos para criar, Josey (Charlize Theron) volta a sua cidade natal, Minessota, para reconstruir sua vida perto de seus pais e em um novo emprego como operaria de uma mineradora. Vítima de todos os tipos de abuso juntamente com suas colegas no ambiente de trabalho por conta do machismo dos operários homens, Josie decide se demitir e abrir um processo contra a companhia sozinha, contando apenas com a ajuda de seu amigo e advogado. Aliado a isso, Josey enfrenta problemas em casa com o machismo de seu pai que também é funcionário da mineradora, com sua amiga Glory (Frances McDormand) enfrentando uma doença degenerativa e com seu filho adolescente que não entende a atitude da mãe. Encarnando Josey com total entrega, Theron captura a atenção do espectador com sua performance indicada ao Oscar mais do que justamente. Mulher que enfrenta o machismo de uma sociedade desde sua infância e adolescência (vide a forte cena de estupro) Josey faz o melhor que pode para criar seus filhos e ainda ter tempo para cerveja e noite com os amigos. Aliás, ainda no fim do dia, depois de enfrentar reprovação no trabalho e com seu pai, ainda tem que enfrentar seu filho incompreensivo que sente vergonha da mãe por trabalhar em uma mineradora. Guardando seus momentos mais tensos para o final, na cena do julgamento, o filme de Caro consegue atingir o nível de um filme que vai ser lembrado pelos espectadores tempos depois da sessão. E o melhor ainda, serve como homenagem às bravas mulheres operárias que desbravaram um campo completamente novo na América e conquistaram seus direitos. O sentimento de justiça que fica no fim nos dá um senso de esperança num mundo cheio de corrupção e falta de valores éticos.

Peixe grande e suas histórias maravilhosas (Big Fish)

Peixe grande e suas histórias maravilhosas (Big Fish) – EUA – 2004 *****

Direção: Tim Burton

Roteiro: John August, baseado no livro de Daniel Wallace

Com uma carreira muito sólida e regular, Tim Burton tem o direito de apostar suas fichas em projetos quase sempre fora do convencional, o que resulta em pequenas obras primas do diretor, como Edward mãos de tesoura, A noiva cadáver, Ed Wood entre outros. Neste ótimo Peixe grande e suas histórias maravilhosas Burton conta a história de Ed Bloom, homem excêntrico que passou toda sua vida a contar histórias fantásticas, em sua maior parte incabíveis, o que despertava a simpatia da maioria das pessoas, mas não de seu filho, sempre embaraçado e incomodado pelas histórias do pai e pela postura que este assume em sua vida. Burton intercala a vida do jovem Ed (Ewan McGregor) com o velho Ed (Albert Finney) quanto este está no seu leito de morte com uma doença incurável e relembra ou conta os seus feitos maravilhosos quando jovem, sejam elas verídicos, exagerados ou simples histórias inventadas para entreter. Na verdade, Ed é na nada mais do que um grande contador de histórias, dominando toda a técnica, já que fez isso toda a sua vida. O centro do filme é o seu relacionamento com seu filho Will (Bill Crudup), ou melhor, a ausência de relacionamento, o que leva Will a procurar o pai nesses seus últimos momentos para tentar uma reconciliação. O filme tem um tom de fábula e é ao mesmo tempo um pouco sombrio, como já era de se esperar de um filme de Burton. A fotografia e os figurinos nos transportam para outro mundo, principalmente quando temos acesso às memórias de Ed, que conta a história e claramente a manipula. Passando por uma jornada de auto-descobrimento de descobrimento de seu próprio pai, Will por acaba por perceber que Ed não vivia em um mundo que não existia, mas as histórias que ele contava simplesmente faziam dele quem que ele era. Com performances ótimas de Marion Cotillard, Jessica Lange e Danny DeVito, o longa ainda tem uma trilha sonora memorável. Mais um exemplar para os fãs de Burton como eu.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Vício frenético (Bad Lieutenant: Port of Call New Orleans)

Vício frenético (Bad Lieutenant: Port of Call New Orleans) – EUA – 2010 ****

Direção: Werner Herzog

Roteiro: William M. Finkelstein, baseado em roteiro de Zoë Lund, Abel Ferrara, Paul Calderon e Victor Argo

Depois de salvar um prisioneiro do afogamento, o detetive Terence (Nicalas Cage) é promovido a tenente. Devido a uma contusão nas costas, ele passa a tomar regularmente fortes analgésicos. Começando com analgésicos e partindo para todo o tipo de drogas, ele se torna um viciado sem o menor controle sobre sua vida e suas ações, tanto na vida pessoal quanto na polícia. Herzog ao invés de adotar o tom trágico que uma premissa dessas pediria, faz com que na maior parte do tempo as situações a que Terence se vê envolvido devido a seu vício se tornem trágicas sim, mas de forma engraçada e irônica. Como na seqüência em que temos acesso á mente do tenente e seus devaneios de drogado com répteis (iguanas e jacarés) enfocados de um ângulo tão próximos do bicho que causam um efeito engraçado, associado à trilha sonora. Ou na seqüência em que ele ameaça duas velhinhas em um asilo. Não é nada menos do que ridículo e engraçado por si só. Mas tudo o sucesso do filme se deve em grande parte à Nicolas Cage, que mergulha e se entrega completamente ao personagem, seja na forma de falar, ou no jeito de andar com um ombro mais baixo do que o outro. Demonstra o problema físico de Terence e mais ainda mais o seu desequilíbrio enquanto pessoa. O filme é recheado de personagens, que se pararmos para pensar, têm o seu vício pessoal. A namorada de Terrence (Eva Mendes) é uma prostituta viciada em drogas como ele, mas também em sua profissão. O pai de Terrence é alcoólatra, assim como sua mãe. Entre outros. O roteiro consegue a feito de conferir complexidade a cada um deles. Por fim, o filme é mais um bom exemplar na lista do talentoso Werner Herzog.