quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Procura-se um amigo para o fim do mundo (Seeking a friend for the end of the world)


Procura-se um amigo para o fim do mundo (Seeking a friend for the end of the world) – 2011 – USA

Direção: Lorene Scafaria

Roteiro: Lorene Scafaria

Depois de ter colaborado no roteiro do simpático e divertido Uma Noite de Amor e Música, Lorene Scafaria estreia na direção desse igualmente simpático e também emocionante Procura-se um amigo para o fim do mundo.

Dodge (Steve Carell) é um homem de meia idade solitário que foi abandonado pela esposa. Diante do fato de que um asteroide chamado Matilda irá atingi a terra em três semanas e destruir toda a vida no planeta, Dodge se vê na necessidade de encontrar um amigo(a) para juntos passarem o fim do mundo. Um casal de amigos seu tenta juntá-lo a uma conhecida, mas a tentativa acaba sedo frustrada. Até que aparece então na janela de seu quarto a sua vizinha de baixo, a intensa Penny (Keira Knightley) numa crise de choro causada pelo seu namorado desequilibrado. A partir dali, os dois se toram amigos e partem numa jornada juntos. Penny quer pegar um avião para ver seus pais em Londres antes do fim do mundo e Dodge quer reencontrar sua antiga namorada do colégio, que lhe enviou uma carta dizendo que sempre o amou.

O roteiro se desenvolve como um road movie dos mais empolgantes, mesmo com o fato de os personagens estarem presenciando o fim do mundo e todas as consequências que isso traz. As rebeliões e a queda de qualquer organização social, os suicídios, a perda dos valores morais da sociedade e a perda do sentido da vida, de forma geral.

Esse assunto que já foi retratado no cinema de várias vezes, de forma dramática na maioria das vezes, aqui assume um tom sarcástico e irônico. Cada grupo de pessoas que os dois vão encontrando pelo caminho apresentam o seu próprio modo de enfrentar o fim dos tempos, o que rende momentos muito divertidos e também que nos fazem refletir. Saber o dia de sua própria morte não é algo natural, como diz certo personagem no filme. Imagine o mundo todo sabendo disso ao mesmo tempo. Toda a concepção de vida e os seus objetivos como conhecemos deixa de existir. Vemos então diretores de empresas oferecendo cargos de presidentes para qualquer funcionário, pais dando bebidas alcoólicas para os filhos, pessoas casadas deixando a fidelidade de lado, afinal, porque ser fiel se o mundo vai acabar? Não tem como não rir diante desse caos com o tom que o filme retrata o assunto. E não tem como não parar para pensar nos seus próprios valores de vida e objetivos. Como eles mudariam se você soubesse o dia de sua morte? O que você faria nos seus últimos dias? Com quem passaria? São perguntas que o roteio tenta responder através de seus perturbados e carismáticos personagens.

Steve Carell está muito bem, com uma performance contida, porém bem humorada e com ótimo timing cômico como de costume. A surpresa fica por conta de Keira Knightley, atriz dramática desde o início de sua carreira, mostra que é versátil para fazer também comédia. Ela acaba exagerando um pouco nas caretas, mas não é uma falha que atrapalhe o espectador a se conectar com sua personagem e se importar com ela. Além de acha-la extremamente engraçada, é claro.

O maior problema do filme é o seu terceiro ato, que faz com que o longa perca um pouco o foco da narrativa. Os objetivos dos protagonistas passam a não ser tão claros, o que em si não é um problema, mas o fato de mudarem de opinião sobre o que eles queriam para o fim do mundo soa um pouco forçado e farsesco. O envolvimento dos dois, que deveria ser algo muito natural, soa um pouco fora de contexto. Não que não dê pra acreditar no interesse de um para com o outro, mas fica uma dúvida: ‘e o objetivo inicial deles? Não importa mais?’ Salvo esse pequeno grande deslize, o filme cativa, faz rir e emociona.

A história de amor dos dois só se iniciou e ocorreu daquela maneira porque eles estavam diante do apocalipse. Tudo foi intenso, importante e eterno. Fez-me pensar no quanto o tempo que temos é importante, porque afinal, é dele que a vida é feita. Fez-me pensar também em como tenho gastado meu tempo e se essa forma tem sido digna da oportunidade que me foi dada.

Nota: 7,5

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

007 – Operação Skyfall (Skyfall)


007 – Operação Skyfall (Skyfall) - Reino Unido

Direção: Sam Mendes

Roteiro: Neal Puvis, Robet Wade e John Logan

A decisão de escolher Daniel Craig para encarnar o mais famoso agente do Cinema dividiu opiniões. A minha sempre foi positiva. Acho que ele trouxe outra dinâmica ao personagem, bem diferente do seu antecessor, Pierce Brosnan. Craig nunca sorri, exala masculinidade e virilidade, e apresenta uma energia incrível nas cenas de ação. Sem mencionar seu carisma e talento na pele do agente. Depois do ótimo Casino Royale e do fraco Quantum of Solace, a franquia recupera o fôlego com esse excelente Skyfall.

Sam Mendes, experiente diretor de dramas ambiciosos como Beleza Americana, Estrada para perdição e Foi apenas um sonho, traz outra abordagem para o universo de Bond. Mendes investe mais no desenvolvimento dos personagens e nos relacionamentos entre eles, deixando um pouco de lado as sequências de ação ininterruptas. Não que o filme não possua ação. Muito pelo contrário. Já começa com uma sequência incrível envolvendo Bond, as ruas da Turquia, um HD que precisa ser recuperado e um trem. A ação continua com o tom mais realista e com edição e direção mais cruas, como nos dois longas anteriores, mas tem os seus toques de exagero e coisas “impossíveis” sendo realizados por Bond que de forma alguma afetam o filme. Apenas assumem o charme que a série sempre teve. Afinal, ele é o James Bond e já estamos acostumados a vê-lo fazendo coisas improváveis na tela. Depois dessa sequência, mergulhamos (literalmente) numa maravilhosa abertura gráfica, como é de costume na série, embalada pela excelente canção Skyfall.

O roteiro dá mais destaque ao relacionamento de Bond com M (a sempre soberba Judi Dench), o que traz uma dinâmica interessante ao longa, e faz com que possamos entender melhor o funcionamento da misteriosa agência MI6. Dado como morto, Bond se apresenta à M depois que a base do MI6 sofre um violento atentado terrorista. Depois de uma investigação mais minuciosa, descobre-se que o autor do atentado conhece o MI6 melhor do que eles esperavam. Bond é então enviado por M para descobrir a identidade do autor do atentado e recuperar o HD roubado, mesmo ela sabendo que Bond não se encontra fisicamente apto para a tarefa.

Mendes prova que pode sim dirigir um filme de ação com competência, e não somente dramas. Ele mantém o ritmo da narrativa sempre ágil e prende o interesse do expectador. É muito frequente acontecer em filmes de ação/espionagem não ficar muito claro para o expectador a complexa rede de interesses dos personagens, as reviravoltas da trama e os objetivos de cada um. Mas isso felizmente não acontece com Skyfall, graças à direção competente de Mendes e o roteiro sólido e bem escrito. Tomando a decisão de dar mais importância aos personagens e seus relacionamentos, Mendes acerta em cheio, mas ainda assim mostra que é versátil e pode dirigir sequências de ação como um diretor experiente no gênero, ou até melhor. Diferente de Michael Bay e outros do tipo, que apostam na câmera que treme o tempo todo e nos cortes com frações de segundo para conferir um tom de “ação frenética” que muitos gostam, mas que pra mim é um erro, Medes aposta na direção limpa e edição sem cortes muito rápidos. Decisão sábia. Eu consegui entender, acompanhar perfeitamente e me emocionar com a ação que ocorria na tela, o que é um feito digno de nota.

A trilha sonora pontua perfeitamente a narrativa. Toda vez que o tema clássico da séria surge, não tem como evitar a empolgação de antecipar a ação que está por vir. A direção de arte e os efeitos visuais são, como sempre se pode esperar da franquia, incríveis e eficientes.

Elogios devem ser feitos à atuação original e divertida de Javier Bardem como o vilão Raoul Silva. De longe um dos vilões mais memoráveis da série, Raoul impõe medo e respeito toda vez que aparece em tela, e sua dinâmica com Bond é imprescindível para nos convencer de suas motivações. Ele oscila entre o débil, o lascivo, genial e extremamente perigoso e desequilibrado. Seu diálogo com Bond é hipnotizante. Prova de que estamos assistindo ao trabalho de dois atores talentosos.

O longa não tem de fato uma bond girl como os anteriores, mas que não fez muita falta também. O centro da narrativa foi Bond versus M, Bond versus Raoul e Bond versus ele mesmo, o que já era coisa demais para o 007 lidar.

Espero que a série continue nesse mesmo nível de qualidade narrativa e dramática, se não ela corre o risco de se tornar apenas uma franquia de filmes de ação genéricos com um protagonista de nome famoso.


Nota: 9

O segredo de Vera Drake (Vera Drake)


O segredo de Vera Drake (Vera Drake) – Reino Unido – 2004

Direção: Mike Leigh

Roteiro: Mike Leigh

Vera Drake (Imelda Staunon) é uma senhora amável, que vive com sua família no subúrbio de Londres na década de 1950. Completamente devotada a cuidar de todos ao seu redor, ela vive para seu marido e os seus dois filhos adultos, além de se mostrar sempre sorridente e prestativa para seus vizinhos e amigos mais próximos. Não demora muito tempo de projeção e descobrimos outra atividade que ocupa o seu tempo: Vera realiza abortos em jovens sem recursos com uma bomba de água, desinfetante e sabão, num procedimento que ela chama de “ajudar jovens moças”.

A direção de Mike Leigh é muito hábil em estabelecer com pouco tempo de filme a personalidade de Vera Drake, sua rotina com sua família e amigos e o tom da narrativa. Conhecemos a família Drake com poucas cenas acompanhando as tarefas diárias de trabalho de seus membros e suas refeições em casa. Com planos muito fechados e constantemente enfocando seus atores de costas, Leigh consegue mostrar o quão pequeno é o apartamento dos Drake e o quão próximos e íntimos eles são uns dos outros, o que torna ainda mais chocante quando mais tarde o segredo de Vera é revelado. Outro ponto importante que Leigh faz questão de enfatizar é a frequência dos procedimentos de aborto feitos por Vera, sua precariedade, os riscos que oferecem às moças e a naturalidade com que ela os encara: como se tivesse cuidando de um doente ou uma criança machucada. Leigh faz questão de mostrar com detalhes cada um deles. E algo que achei genial foi o contraponto que Leigh estabelece com a água aquecida na chaleira tanto para o aborto quanto para o chá que Vera serve às suas visitas. Mostra com talento a ambiguidade das atividades de Vera. Com o mesmo sorriso ela serve chá para suas visitas e realiza um aborto.

O ritmo da narrativa jamais se perde porque Leigh conta a história num crescendo constante, causando sempre mais interesse no expectador sobre quais serão as consequências da conduta da protagonista. Dois dos momentos mais tocantes do longa (ele tem muitos) são o pedido de casamento de um amigo da família à Nellie, filha de Vera, devido à singeleza e compaixão que sentimos por aqueles dois personagens tão acostumados à ter tão pouco na vida e o momento em que Vera é surpreedida pelos policiais em sua casa diante de toda a sua  família. Apenas nos olhos da personagem conseguimos entender tudo que ela sente no momento. Mesmo considerando superficialmente que só estava “ajudando moças em necessidade”, ela no fundo sabia que estava fazendo algo que não era certo (ou dentro da lei). E então chegamos à atuação de Imelda Staunon.

Imelda carrega o filme nas costas e responde a toda responsabilidade que a tarefa exige com perfeição. O brilhantismo de sua atuação é fundamental para o sucesso do filme. Uma atriz medíocre ou menos talentosa poderia fazer com que sentíssemos ódio de Vera não deixando claras as suas complexas motivações. Imelda faz com que sintamos simpatia por ela apesar de sua conduta colocar em risco a vida das moças, além do que também causou em mim (algo que acho genial quando acontece) a curiosidade para saber mais sobre o seu passado e o que a levou a adotar essa conduta, visto que logo de início sabemos que ela não cobra pelo procedimento que induz o aborto. Imagino que ela deve ter passado pela mesma situação em que se encontram as moças quando era jovem. Ou tenha passado por algo parecido em sua família... Mas é só uma divagação sobre um personagem que conseguiu atingir essa complexidade.

O roteiro não entra no mérito da legalidade do aborto e muito menos na discursão religiosa ou moral de certo e errado. O tema está ali presente para o espectador lidar com ele e para transtornar a vida dos personagens. E Leigh não poupa nenhum deles. Todos sofrem as consequências dos atos de Vera de forma brutal, desde a moça que se submeteu ao aborto e quase morreu e sua mãe que é obrigada a depor na polícia até a família de Vera, que desmorona diante do fato de ter seu membro mais idôneo sendo levado para a cadeia e principalmente para Vera, que passa pela humilhação de ter sido desmascarada em seu lado mais sombrio até então desconhecido por quase todos. Outro momento extremamente tocante do longa é quando Vera se vê obrigada a contar para seu marido o porquê de estar presa. Não escutamos nenhuma palavra sair de sua boca, mas a vergonha e humilhação estão estampadas em seu rosto.

O segredo de Vera Drake é um grande filme, que além de arte e entretenimento de alto nível, ainda ganha pelo fato de levantar uma discursão sobre um tema que ainda precisa muito ser dissecado e debatido.

Nota: 10