Meninos não choram (Boys don’t cry) – EUA – 1999
Direção: Kimberly Peirce
Roteiro: Kimberly Peirce e Andy Bienen, baseado na história real de Brandon Teena
“Todo bom filme é um retrato de uma época e uma sociedade.” Foi essa a frase (a qual não me lembro o autor) que me veio à mente depois de assistir a este incrível Meninos não choram de Kimberly Peirce. O longa conta a história de Teena Brandon (Hilary Swank), uma adolescente com crise de identidade sexual. Ela quer na verdade ser um homem, e passa a se vestir e agir como um. É quando então conhece a garota Lana (Chloë Sevigny) de outra cidade, por quem se apaixona e passa a ter um relacionamento, tanto com ela como com sua família e mais alguns amigos, ex-presidiários. Sua vida entra em crise depois que é presa por subverter a lei, e é então que tem a sua identidade sexual posta a prova pelos seu novo círculo de convivência.
Kimberly Peirce trata do complicado assunto com muita sensibilidade e humanidade. Brandon em nenhum momento é tratato pelo roteiro e pela direção como uma aberração da natureza ou algo que precisasse ser mudado. Ele/ela era um adolescente comum, que tem todas as crises que qualquer adolescente tem o direito de ter pelo fato de estar deixando a infância e se tornando um adulto. A única coisa que ela queria era achar seu lugar no mundo. O fator complicador é que Teena era uma garota que gostava de garotas, e achava que precisava ser um homem para poder namorar outras meninas. Se ela tivesse crescido em uma grande cidade e tivesse pais compreensivos e que a apoiasse, sua jornada seria bastante diferente, mas ela cresceu no interior do Nebraska, lugar onde certo personagem diz num momento do filme “as pessoas matam os viados.” A sua confusão de identidade pode ser explicada em grande parte por isso.
Vivido por Hilary Swank com impressionante intensidade e veracidade, Brandon/Teena logo conquista o exectador com seu carisma, amor pela vida e a forma como trata suas namoradas. E é até engraçada a sua reação ao saber que irá ter um olho roxo no dia seguinte depois de uma briga de bar. Ela se sente como “um dos caras”; outro momento único é quando um policial a faz admitir que é uma mulher a obrigado dizer que tem uma vagina. A palavra sai da boca de Brandon como seu fosse algo extremamente vergohoso e quase como uma tortura. E nesse ponto a performance de Swank cai como um luva: intensa e sensível nos momentos certos. Outra atriz que merece destaque é Chloë Sevigny, que vive Lana como uma criatura frágil e vitima do seu meio: uma mãe desequilibrada e dois marginais obsecados por ela. Quando conhece Brandon, vê nele sua chance de uma vida diferente. E um momento chave do filme é quando, no primeiro encontro íntimo entre eles, Lana percebe que Brandon tem algo bastante diferente, mas parece não se importar. A direção de Peirce e a atuação de Sevigny são extremamente sutis e brilhantes.
O relacionamento das duas não é construído nas bases sociais convencionais. Primeiro, Lana acha que Brandon é um rapaz e se apaixona por ele. Depois de descobrir a verdade, cotinua a gostar dele/dela da mesma forma, ou até mais, e passa a achar o namorado de certa forma especial. Quando Brandon em uma de suas muitas mentiras desesperadas (pode se imaginar a necessidade delas para viver como ele) diz que é hermafrodita, ela diz: “não importa se você é metade macaco...”.
Todo o elenco de apoio se sai de forma espetaclar como Peter Sarsgaard e Alicia Goransn, mas créditos merecem ser dados ao roteiro muito sólido e honesto (a real jornada de Brandon Teena por si só já é tocante) e a direção talentosa de Peirce. Ela conduz a história com propriedade e pulso firme, nunca deixando o expectador perder a conexão emiocional com os personagens que vemos na tela. E o seu estilo visual se faz justificado, operando como elemento para intensificar o impacto da narrativa que assistimos. Por exemplo, no momento em que a identidade de Brandon é revelada para a família numa “conversa” muito tensa, Peirce manten sua câmera em planos muito fechados nos rostos dos atores, o que aumenta a angústia e opressão que aquela situação representava para ele.
Tratando o tema homossexualismo de forma livre de qualquer preconceito e julgamento como no ótimo O segredo de Brokeback Mountain, Meninos não choram tem sua importância, como disse, no fato de ser um retrato de uma época de uma sociedade. E também no fato de contar uma história real, emocionante e acima de tudo, um história sobre seres humanos, que merecem serem tratados como tal, independente de orientação sexual, no caso, cor ou qualquer outra diversidade que possa haver. Diversidade esta que faz cada um de nós únicos.