Quando li num texto na internet que dizia que "uma pessoa que não conhece o trabalho de George Orwell não pode dizer que gosta de literatura", tratei logo de corrigir o erro, do qual me envergonhei internamente, e comprei a obra que todos consideram máxima do autor: 1984.
É impossível falar do livro sem citar o contexto no qual foi escrito. Foi publicado no ano de 1949, em pleno fim da Segunda Guerra Mundial, quando o mundo entrava numa Guerra Fria que duraria muitos anos e começava a se dividir em duas partes: Capitalista e Socialista. Orwell criou o que se costuma chamar na literatura de utopia, mas ao contrário das utopias comuns que apresentam uma perspectiva e previsão geralmente positivas do futuro, Orwell apresenta uma visão extremamente negativa, na qual ele apresenta sua versão baseada na interpretação da realidade na qual ele estava inserido. Ele também não deixa de mostrar sua visão pessimista da humanidade. Essa forma de utopia negativa é conhecida também por distopia. Essa negatividade é interessante e tem uma importância enorme para abrir os olhos do leitor para aquilo que poderia acontecer ou já estava acontecendo com o governo e a sociedade se nada fosse feito pelos cidadãos, e que também se mostra tão atual nos dias de hoje; principalmente com a existência de inúmeros reality shows na tv aberta e fechada que tomam a forma e ideologia que Orwell descreve (soando como uma espécie de “previsão” acertada) e que tem a mesma função da teletela descrita no livro, de controlar e alienar completamente os cidadãos; outro exemplo que mostra a atualidade da obra de Orwell é a presença constante de guerras no mundo atual desde a Segunda Grande Guerra, as ditaduras que se espalham e crescem ao redor do mundo, a imprensa tendenciosa e imparcial e a arte alienada, que não se importa de informar e conscientizar as pessoas. Até mesmo o nome do reality show mais famoso no Brasil e no mundo é inspirado no livro de Orwell, o que é uma grande ironia.
Winston é o personagem principal que representa a sociedade e também cada um de nós. Vive sozinho num cubículo, cercado de teletelas (câmeras do governo que o vigiam dia e noite) em alguma cidade não citada da Oceânia, uma espécie de continente que também forma uma unidade política. O mundo é divido em três dessas unidades: Oceânia, Lestásia e Eurásia, que vivem em guerra entre si ou às vezes aliadas, como descobrimos mais à frente no livro. A identificação do leitor com Winston é imediata, porque apesar de ter uma narrativa ágil e interessante, o livro não contem muitos acontecimentos em si. A desenrolar dos fatos se passa mais na mente de Winston do que no mundo externo. Sua inquietação e insatisfação com o sistema totalitário imposto pelo partido e pelo Grande Irmão (Big Brother) despertam em nós uma simpatia enorme, porque com nossas mentes e vidas livres de tantas cadeias como às que ele estava submetido, imagino que o desejo de liberdade de Winston é exatamente o mesmo ou ainda maior, do que o que teríamos no lugar dele. A realidade que ele conhecia era aquela, mas algo no fundo de sua mente dizia que ele não tinha nascido para viver daquela forma. A necessidade de liberdade é um dos instintos mais básicos dos seres humanos.
Tudo que ele queria era encontrar alguém com o mesmo desejo de mudança, de causar uma revolução que ele. Ele não sabia exatamente como ou por onde começar, e nem se de fato existiam outras pessoas com o mesmo pensamento que ele ou se ele estava simplesmente delirando. Quando encontra essas pessoas, Winston entra no processo de sair do campo das ideias e passa a fazer algo de concreto. A parte que ele tem acesso ao livro de uma sociedade secreta que explica o sistema de governo do Grande Irmão é simplesmente incrível. Não consegui parar de ler até o fim do livro.
Mas o mais importante do livro mesmo é como Orwell entra no âmago da relação governo/sociedade. Ele disseca e analisa exaustivamente e de todos os ângulos possíveis o poder de influência das autoridades na vida particular de cada indivíduo. Através da imprensa, da arte, da tv, propaganda e publicidade, vida pessoal, amorosa, familiar até mesmo amizades. Claro que grande parte das coisas descritas por ele na sociedade que ele imaginou não acontecem hoje em dia. Não em nosso país e não da forma como ele descreve, mas manipulação e censura da arte e imprensa é coisa que já foi vistas várias vezes ao longo da historia em qualquer governo totalitário, que objetivam, assim como na realidade alternativa de Orwell, manipular a opinião e o sentimento das pessoas. Chega a ser assustador você pensar que sua mente pode ser manipulada de forma tão inescrupulosa por terceiros para interesses próprios. Na maioria dos casos, o poder pelo poder, simplesmente. Uns dos piores frutos dessa manipulação nos dias atuais são fáceis de serem reconhecidos: nacionalismo exacerbado e terrorismo.
Minha visão de mundo mudou completamente depois da leitura de 1984. Acho que pessoas que
acham que romances são alienadores e sua leitura é perda de tempo nunca leram
nada ambicioso, complexo e profundo como 1984 e também, porque não, algo tão
agradável de ler. É leitura obrigatória.