quarta-feira, 7 de abril de 2010

Os Espíritos (The Frighteners)

Os Espíritos (The Frighteners) – EUA/Nova Zelândia – 1996

Direção: Peter Jackson

Roteiro: Peter Jackson e Frances Walsh

Peter Jackson inicia Os Espíritos com um pequeno plano seqüência em velocidade rápida que começa no exterior chuvoso de uma das torres da mansão assustadora dos Wallace-Stone, entra pela janela do sótão, passa por um buraco no chão e acompanha a desesperada Patricia descendo as escadas fugindo de um espírito maligno que a persegue. Por essa cena de poucos segundos Jackson já demonstra a que veio nesse ótimo thriller de terror com toques de humor ácido e sarcástico.

A história é sobre Frank (Michael J. Fox), um médium charlatão que, ajudado por seus três amigos espíritos, usa seus “poderes sensitivos” para arrancar dinheiro de pobres desavisados que são atormentados propositalmente por seus três parceiros de trabalho. Depois de conhecer a bela Dra. Lucy (Trini Alvarado) resolve escolhê-la como alvo do seu próximo golpe. É quando, depois de executado o serviço, enxerga um número estranho escrito em letras de fogo na testa de Ray, o estúpido marido da moça. Aquilo soa normal, até que mais tarde, descobre que Ray morreu instantaneamente do que pareceu ser um ataque cardíaco fulminante. Se encontrando com o espírito do morto chorando em seu próprio velório (o mais emocionado de todos os presentes) Ray pede a ajuda de Frank para resolver seus assuntos inacabados com sua esposa viúva, o que resulta em uma hilária cena num restaurante. Lá Ray vê outro homem com a marca do número na testa e assiste, sem poder fazer nada, a seu assassinato causado por um espírito envolto em uma capa preta. É então que descobre que as mortes têm relação e decide investigaá-las e tentar impedir o misterioso espírito negro, que se assemelha à própria imagem da morte.

Com essa premissa, Peter Jackson consegue extrair o máximo de ação, terror e, surpreendentemente, humor de algo que a primeira vista parece tão sério e assustador. Não que o filme não assuste. Assusta sim, e muito. É repleto de suspense e ação frenética, com tom de urgência durante todo o longa (lição que Jackson aprendeu bem com Steven Spielberg), criando tensão ao longo de toda a história, seja com a trilha sonora, com truques de câmera e efeitos visuais muito bem realizados. Aliás, os efeitos visuais surgem como um recurso que somente ajuda a contar a história, não como uma razão para contá-la. Isso é raro no cinema depois do advento do CGI. A direção de Jackson é gráfica no último grau. Ele usa as imagens como uma ferramenta poderosa para causar emoções. Exemplo disso é a câmera que corre atrás ou na frente dos personagens simbolizando o desespero dos mesmos e a urgência da narrativa, ou mesmo a câmera que sobrevoa os telhados das casas, o que causa até vertigem e nos dá a perspectiva daquele espírito voador, e os pequenos planos seqüência como o que descrevi no início. A câmera de Jackson se mantém sempre em movimento quando se apresenta necessário, ou mesmo num super close, como no interrogatório de Frank feito pelo excêntrico agente do FBI especializado em assuntos sobrenaturais. A câmera de Jackson se aproxima da boca e olhos do homem e balança de um lado para o outro enquanto ele fala, ao mesmo tempo em que Frank se vê exausto pelas perguntas e devido a tudo o que passou até o momento. Além do ótimo diálogo, as imagens já dizem quase tudo.

Juntamente com a virtuosa direção de Jackson, o ótimo roteiro escrito por ele e Frances Walsh surpreende em todo o momento, sem deixar nenhuma ponta solta na história e se mostrando original à cada cena. Coisa difícil de ver em Hollywood. Os diálogos são afiadíssimos com falas inesquecíveis como “quando o maxilar de um homem cai, é hora de rever os conceitos” ou quando Ray, depois de escutar uma ofensa seguida de um elogio para si em seu próprio sepultamento, se agarra ao elogio e diz “eles não mentiriam em um momento desses... eu sou uma boa pessoa...”. Outro momento genial do roteiro se dá no terceiro ato, quando Frank e Lucy se encontram no hospital abandonado e tem que enfrentar todas as ameaças que os perseguiram durante todo o longa: o casal de assassinos e um desequilibrado sujeito que supostamente deveria ajudá-los, culminando num clímax sufocante.

Isso nos leva às atuações. Michael J. Fox exibe o mesmo carisma e talento que demonstrou na trilogia De Volta para o Futuro, filmes em que trabalhou com o produtor deste Os Espíritos, Robert Zemeckis. Mesmo vendo as atitudes detestáveis do pilantra Frank, não conseguimos sentir antipatia pelo rapaz, porque Fox consegue mostrar a humanidade de Frank nos flashbacks e o que o levou a agir daquele jeito reprovável. Outras performances imperdíveis são as do trio de fantasmas que ajudam Frank e principalmente, a do agente neurótico do FBI. Simplesmente hilariantes.

A parte técnica do filme é impecável, como de costume nos filmes de Jackson. Cenários, trilha sonora, efeitos visuais, fotografia e locações maravilhosos. Não tem como não se assustar ao ver a mansão dos Wallace-Stone, ou na cena final no hospital, quando acompanhamos o presente e o passado diferenciados pela fotografia. A idéia de colocar os assassinatos em série sendo revividos por Frank foi simplesmente genial.

Por fim, Os Espíritos é ótimo Cinema para pessoas que, como eu, não curtem muito o terror pastelão (que é como eu chamo os filmes de terror bobos e sem conteúdo), mas que gostam de ver uma boa história dirigida por um dos jovens mestres do cinema atual.

Nota: 10
P.S.: Peter Jackson faz uma pequena aparição como o homem com piercings. Algo como Alfred Hitchcock fazia em seus filmes.