quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Desejo e Reparação (Atonement)

Desejo e Reparação (Atonement) – Inglaterra/França – 2007

Direção: Joe Wright

Roteiro: Christopher Hampton, baseado no livro de Ian McEwan

Atos têm conseqüências. Toda ação tem uma reação no universo. É baseado nessa premissa que Ian McEwan escreveu o maravilhoso livro Reparação que conta a história da garotinha Briony Tallis, dona de uma imaginação muito fértil e um talento para escritora que, durante um dia quente de verão na Inglaterra de 1935, depois de presenciar três fatos estranhos envolvendo sua irmã Cecilia (Keira Knightley) e o filho da empregada Robbie (James McAvoy), acaba realizando um julgamento errado que muda a vida do casal pra sempre. Atormentada pelo erro que cometeu, tenta repará-lo.

Assim como o ótimo filme do mesmo ano O caçador de Pipas, Desejo e Reparação traz como protagonistas crianças que, com toda a sua imaturidade, falta de conhecimento e sem poder de julgamento têm que tomar decisões sérias que acabam por mudar a vida de pessoas amadas, percebendo somente depois com a maturidade o erro que cometeram e a proporção terrível que as conseqüências tomaram.

A direção de Wright é impressionante, como já tinha mostrado no excelente Orgulho e Preconceito de 2005. Ele usa em abundância os planos subjetivos, movimentos de câmera sempre elegantes, acompanhando os personagens caminhando dentro da mansão, caminhando no parque etc., que dão a impressão no espectador de ser um observador presente no lugar. Um exemplo disso é quando Briony observa da janela de seu quarto os conseqüências que seu depoimento traz e percebe o que fez. A câmera vai se aproximando de seus olhos num close fechadíssimo, ao mesmo tempo que a trilha sonora entra em um crescendo.

A história se passa com muita fluidez, visto que observamos os fatos através dos olhos de Briony, para pouco tempo depois observar o mesmo fato de perto e ver o que realmente aconteceu. Isso é de extrema importância para o funcionamento da narrativa e para não julgarmos a garota, que mesmo sendo mimada e arrogante, não tem culpa alguma do que fez, pelo simples fato de ser uma criança e não entender por completo o que se passa ao seu redor.

E se imaginamos a princípio que estamos a assistir um drama de época que irá se passar apenas na mansão dos Tallis, com um corte seco nós somos levados à Segunda Guerra Mundial, já que Robbie decidiu se alistar para sair da prisão. A narrativa toma proporções maiores mostrando os horrores da Guerra. E o momento que sempre tira o meu fôlego é quando Robbie chega à praia de Dunkirk e encontra o acampamento dos ingleses. Wright acompanha Robbie num plano-seqüência (cena sem cortes) de dimensões gigantescas, observando a ação dos ingleses que tem que destruir tudo que vai ser deixado para trás que pode ser usado pelo inimigo. A cena é melancólica, tocante e dura por volta de cinco minutos sem um único corte. A logística da produção de uma cena deste nível é inimaginável.

Aliás, toda a produção merece elogios, desde a direção de arte que recria a década de 30 de forma brilhante, os figurinos elegantes (ressalto o lindo vestido verde usado por Cecilia), as locações impressionantes, e o já citado plano-seqüência na praia, tudo fotografado de forma muito competente.

O elenco está perfeito. Keira Knightley cria uma ótima Cecilia, moça burguesa que tenta reprimir os seus sentimentos por um rapaz de classe mais baixa. James McAvoy, ator talentoso, confere a Robbie um ar de simplicidade, ambição e ao mesmo tempo desprezo com sua situação social, o que às vezes contrasta com sua atitude com Cecilia, visto que na época, a diferença era algo difícil de ser ignorado. Mas quem impressiona mesmo é a jovem Saoirse Ronan, que cria uma Briony complexa, imatura e mimada, que mesmo às vezes arrogante, não deixa de ser apenas infantil. E Vanessa Redgrave é ótima em mostrar o peso de carregar um arrependimento por toda uma vida.

Outro ponto alto do filme é a trilha de Dario Marianelli. Ele cria temas marcantes e emocionantes e ao mesmo tempo mescla os sons provenientes do que vemos na tela com a sua música. Exemplo disso são as pancadas de um guarda-chuva num carro unidos à orquestração ou mesmo o barulho de uma máquina de escrever constante ao longo de todo o filme que revela no fim o seu propósito. Poucas vezes escutei uma trilha tão tocante.

Com um final que deixa um nó na garganta, o longa brinca com a linguagem cinematográfica, assim como o livro brinca com a literária, manipulando os sentimentos do espectador. Afinal, não é manipulação de sentimentos o que procuramos quando pegamos um bom livro pra ler ou vemos um bom filme?

Nota: 10