Direção: Olivier Nakache e Eric
Toledano
Roteiro: François Cluzet, Omar Sy
e Anne Le Ny
Intocáveis é uma grande prova de que o Cinema não precisa contar
uma história complexa para ser ambicioso e tocante, ou muito menos precisa
contar uma história simplória e vazia para entreter o público. Dois homens
vindos de mundos tão diferentes se encontram em momentos críticos de suas vidas
e acabam por mudar o rumo de suas histórias. Com essa premissa Olivier Nakache
e Eric Toledano imprimem tanta autenticidade no seu filme que ele passa
conceitos fortes, relevantes e emocionantes para o espectador que tornam a obra
inesquecível.
Driss (Omar Sy) é um imigrante
africano em Paris que tem ficha na polícia, é semianalfabeto, pobre,
desempregado, desajustado na sua família e vive de previdência social. Philippe
(François Cluzet) é um magnata milionário, crítico de arte e tetraplégico que
perdeu a esposa ainda jovem e agora depende de seus empregados para fazerem
tudo para ele. Entrevistando candidatos à vaga de seu assistente pessoal,
Philippe conhece Driss que estava apenas interessado em pegar a assinatura de
mais um empregador o dispensando para poder continuar a receber a previdência
social. Philippe acha o senso de humor e personalidades de Driss interessantes
e decide contratá-lo. O choque de cultura e realidades inicial é grande, mas os
dois começam a desenvolver uma amizade peculiar que acaba por mudar a vida de
ambos.
Apesar de tratar de temas pesados
(um homem tetraplégico viúvo e um negro marginalizado pela sociedade) o filme
encara tudo com leveza e bom humor. Se fosse um drama que as pessoas tivessem
que sacar o lenço a cada dez minutos, não funcionaria tão bem como funciona. É
hilário ver Driss achar um absurdo Philippe querer pagar 30.000 euros num
quadro branco com uns borrões de tinta azul. A princípio Philippe não entende a
ignorância de Driss relacionada à arte, mas depois acaba por ver do ponto de
vista do amigo, quando este pinta um quadro tentando imitar este outro de
30.000 e pergunta a Philippe quanto ele pagaria. Depois, o melhor é ver
Philippe tentando vender o quadro para um amigo como se fosse pintado por um artista
renomado cobrando 11.000 euros com um sorriso sarcástico nos lábios.
Um ponto chave (divertido e lindo) da narrativa é a festa de aniversário de Philippe, no qual todos os seus parentes vêm para comemorar, ao som de uma orquestra de câmara em uma cerimônia formal. Philippe solicita um show particular pra ele e Driss no qual ele tenta ensinar apreciação para Driss, enquanto este faz comentários divertidos como “Bach devia usar essa para pegar garotas”. Por fim chega a vez de Driss mostrar sua música para o amigo, uma batida agitada que faz com que todos na festa dancem e se divirtam. Philippe simplesmente se deleita nesse momento.
Um ponto chave (divertido e lindo) da narrativa é a festa de aniversário de Philippe, no qual todos os seus parentes vêm para comemorar, ao som de uma orquestra de câmara em uma cerimônia formal. Philippe solicita um show particular pra ele e Driss no qual ele tenta ensinar apreciação para Driss, enquanto este faz comentários divertidos como “Bach devia usar essa para pegar garotas”. Por fim chega a vez de Driss mostrar sua música para o amigo, uma batida agitada que faz com que todos na festa dancem e se divirtam. Philippe simplesmente se deleita nesse momento.
Uma metáfora incrível no filme é
a associação das dores noturnas de Philippe com o seu estado de imobilidade. É
como se seu corpo sofresse pelo fato de estar paralisado e não poder
proporcionar prazer de qualquer forma para o seu dono. E mal percebemos que
Philippe não sente mais essas dores noturnas depois de certo tempo de
convivência com Driss até que o segundo se ausenta de sua vida e as dores
retornam.
Um aspecto importante da
narrativa é a arte. Além de Philippe ser um crítico e entendedor, Driss passa a ver o
mundo de outra forma em parte por causa da arte, ao mesmo tempo em que também
Philippe passa a enxergar a própria arte diferentemente. Em certo ponto alguém
diz: “sabe por que as pessoas investem em arte? Porque é a única coisa que elas
de fato deixam.” Essa mudança de pensamento de Philippe é mostrada em uma sessão de ópera à
que eles vão: assim que as cortinas se abrem e Driss vê um homem vestido de
árvore cantando em tenor lírico, ele tem uma crise de riso que contagia o
próprio Philippe, que não se importa de estar quebrando protocolos e
incomodando os outros. Algo que para ele seria inaceitável tempos antes.
Ambos são homens estigmatizados
pela sociedade. Um é negro, imigrante e de classe baixa, o que já é mais do que
suficiente para leva-lo a sofrer pré-julgamentos. O outro é tetraplégico e
solitário, o que faz com que sempre inspire a piedade dos outros. Ambos só
queriam ser tratados como iguais pelo resto do mundo, sem rótulos e
preconceitos. Philippe em certo momento diz para seu amigo que o repreende por
ter contratado uma pessoa como Driss: “sabe por que eu gosto dele? Ele sempre
se esquece de segurar o celular para eu falar. Ele esquece que eu preciso”.
A influência de um na vida do
outros os tornou intocáveis pelo
mundo exterior, como sugere o título. Philippe sai de um ponto na vida em que pensava “é
mais difícil viver sem minha esposa do que nessa cadeira de rodas” para um momento
em que começa a pensar que pode ser feliz novamente. Driss parte de uma vida
sem nenhum futuro para uma situação em que se vê ajudando seu irmão adotivo
mais novo.
As atuações são incríveis. Omar
Sy cria um Driss espontâneo, criativo, bronco, mas ao mesmo tempo adorável, às
vezes irritante, mas indispensável. François Cluzet encarna Philippe de forma
muito contida e expressiva, protagonizando os momentos mais tocantes do longa. Pelo
fato de estar interpretando um paraplégico, sua atuação fica muito limitada,
mas tudo que precisamos saber sobre o personagem está em seus olhos.
Intocáveis tem que ser visto e revisto pelos amantes de Cinema. É
simples, mas ambicioso, emocionante, porém divertido, realista e atemporal. Seres
humanos são iguais em suas essências. É isso que o filme prova com brilhantismo
artístico.
Nota: 10
P.S.: Existe um projeto de fazer
um remake americano. Sempre acho remakes desnecessários.