quarta-feira, 27 de julho de 2011

Meia noite em Paris (Midnight in Paris)

Meia noite em Paris (Midnight in Paris) – EUA/Espanha – 2011

Direção: Woody Allen

Roteiro: Woody Allen

Que Woody Allen é um ótimo roteirista e diretor, todos já sabem. Mesmo que seu trabalho não agrade a todos, não tem com não reconhecer a originalidade e genialidade de tantos títulos em sua longa carreira ou sua linguagem tão específica na forma de mostrar em seus filmes a sua visão pessimista da vida e os seres humanos. Mas, há pouco tempo estava começando a achar que estava chegando a sua hora de se aposentar, visto os últimos longas que lançou (Tudo pode dar certo e Você vai conhecer o homem de seus sonhos), que mesmo sendo interessantes, nem de longe relembravam a genialidade mostrada em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, A rosa púrpura do Cairo, Desconstruindo Harry, Match Point, só pra citar alguns. Depois de assistir ao seu novo longa Meia noite em Paris concluí que Allen ainda tem muito a contribuir com seu trabalho. O filme tem um elenco afiado, roteiro sólido e original e muito humor irônico, característicos do diretor.

O filme conta a história de Gil Pender (Owen Wilson), que está a passeio em Paris com sua noiva Inez (Rachel McAdams) e seus sogros. Lá ele procura inspiração para escrever seu primeiro livro, visto que ele sempre trabalhou em Hollywood escrevendo roteiros, porém essa atividade não o satisfaz mais profissionalmente. Ele tem uma fascinação pela década de vinte em Paris, imaginando que aquela seria a melhor época para se viver. Imagina ainda a cidade nesse período sob a chuva. Saindo à noite à procura de inspiração para seu livro, ele acaba embarcando em um carro à meia noite que o leva para a Paris da década de vinte. Lá ele conhece seus artistas preferidos e passa a conviver com eles: Cole Porter, Zelda e F. Scott Fitzgerald, Pablo Picasso, Salvador Dalí, T. S. Eliot, e uma bela francesa chamada Adriana (Marion Cotillard) entre outros. Lá, esses artistas começam a influenciar sua escrita e ele acaba por se apaixonar por Adriana.

Allen brinca com a fantasia, com fez em A rosa púrpura do Cairo, quando, de um filme dentro de seu filme, extraiu um personagem por quem a protagonista era apaixonada. Nesse, Allen usa a viagem no tempo através de um carro que passa em certa rua de Paris à meia noite. Ele não faz questão nenhum de dar uma explicação para esse fato, e ela nem é necessária. Ela existe para poder dar suporte à história que Allen quer contar, defender a idéia que ele quer e ponto final.

Encarnando o personagem com muito talento e, acho que pela primeira vez sem os maneirismos usuais, Owen Wilson se mostra o perfeito protagonista de filmes de Allen, e encarna, de certa forma e não totalmente, a persona cinematográfica do diretor. Chega, em alguns momentos, até a gaguejar como Allen e exibir um pouco de seu gestual, além é claro, de ser o sujeito eternamente insatisfeito com sua vida e seus relacionamentos, que Allen tanto retrata em seus filmes. Quando não é o próprio diretor quem protagoniza, outro ator o faz como ele.

O elenco está ótimo, afinal, Allen dirige muito bem atores. Marion Cotillard está adorável, sensual e apaixonante como Adriana. Rachel McAdams exibe o carisma de sempre. Michael Sheen está impagável na pele do metido à intelectual e irritante Paul. Kathy Bates manda muito bem, como de costume, dando vida a Gertrude Stein. E, um dos melhores na minha opinião, é o desconhecido (pra mim) Corey Stoll, que oferece um ótima performance como o escritor Hernest Hemingway. Senti extrema vontade de conhecer melhor aquele personagem e conviver com ele. Acho que esse é o testamento do bom trabalho de um ator e do diretor/roteirista.

Partindo para o campo das idéias, demorou um pouco de tempo pra eu perceber que esse filme não fugia muito dos idealismos de Allen, que são como já disse anteriormente, a eterna insatisfação do ser humano com a vida. E é aí que ele faz um profundo estudo sobre a arte e as pessoas, apresentando vários artistas consagrados do passado em seu cotidiano na Paris da década de vinte. Ele desmistifica a aura de endeusamento que eles e as suas obras possuem, sem tirar deles a genialidade artística. Isso foi uma sacada de mestre. Assim, Gil foi entendendo o porquê da arte deles ser tão importante. Era porque eles viviam suas emoções intensamente e transmitiam isso em suas obras. E Gil através de sua paixão crescente por Adriana e também os direcionamentos de Gertrude conseguiu dar alguma importância artística para seu livro. Eu senti extrema vontade de ler o livro que ele estava escrevendo, o que mais uma vez serve como testamento de uma obra de ate eficiente.

A forma como Allen explora a nostalgia que muitos sentem é brilhante. Quando vejo seus filmes, fico pensando: “como ninguém nunca pensou em fazer um filme sobre isso?”. A nostalgia, o sentimento de achar que outra época passada era melhor do que a atual, é sempre traiçoeira e ilusória. A melhor época para se viver é agora, com todas as suas qualidades e mazelas. É o tempo que nos foi dado, e temos a obrigação de vivê-lo da melhor forma possível. E o amor, arte, amizade e diversão estão no agora, não no passado.

A parte técnica do filme excelente. Prova disso é a imediata constatação de mudança de tempo que temos quando Gil sai do bar em que se encontrava na década de vinte e anda alguns passos na rua. Lembra-se de algo que precisava falar com Hemingway e volta. No mesmo momento observamos que a década de vinte não está mais “presente” lá, e sim os dias atuais. Isso prova a eficiência da direção de arte e da fotografia.

Meia noite em Paris é o retorno de Woody Allen à boa forma. O diretor mostrou que ainda tem muito a dar para o mundo das artes, mesmo diante do fato de que ele próprio não se considera um artista.

Nota: 9,5